Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos governos e, particularmente, pelas agências de inteligência é como acompanhar a velocidade do desenvolvimento de novas tecnologias, de forma a não ficar desatualizadas frente aos desafios do mundo atual. A falta de capacidade financeira e as dificuldades inerentes ao processo de compras governamentais fazem com que o setor privado esteja sempre vários passos à frente do governo, com prejuízos significativos às atividades de segurança e inteligência.

Para suplantar esse problema, a Central Intelligence Agency (CIA) constituiu a primeira empresa de capital de risco patrocinada por uma agência governamental nos Estados Unidos da América (EUA), batizada com o nome In-Q-Tel. O nome escolhido faz referência aos filmes da série inglesa James Bond, ao utilizar a letra Q, que designa o encarregado pelas inovações tecnológicas no Serviço Secreto de Sua Majestade das telas, entremeando a palavra Intel, abreviatura de Intelligence.

O modelo foi concebido como uma plataforma sem fins lucrativos para expandir os esforços em pesquisa e desenvolvimento (P&D) da CIA para o setor privado, com a missão de identificar, adaptar e fornecer soluções tecnológicas inovadoras e relevantes para apoiar as missões da Inteligência americana. Seu objetivo primário é manter a CIA na vanguarda do desenvolvimento tecnológico.

A CIA fornece o capital e identifica os problemas a serem resolvidos pela tecnologia e a In-Q-Tel procura no setor privado empresas, preferencialmente startups, que tenham desenvolvido tecnologias comerciais com potencial para proporcionar grandes vantagens, em curto prazo, à missão da comunidade de inteligência. No processo de investimento, a In-Q-Tel torna-se acionista destas empresas. O investimento feito por companhia varia entre 500 mil e 3 milhões de dólares.

Embora partilhe muitas semelhanças com as empresas tradicionais de capital de risco, o modelo difere de forma importante. O seu objetivo não é maximizar o retorno do investimento, mas acelerar a transformação de tecnologia desenvolvida em produto plenamente utilizável pela CIA e, posteriormente, pelo mercado. Consequentemente, a In-Q-Tel avalia rigorosamente as empresas para as quais proporcionará capital intelectual e financeiro, ao mesmo tempo em que oferecerá a CIA como plataforma de testes.

Numa tentativa de obter credibilidade no mercado de tecnologia, particularmente no Vale do Silício, a In-Q-Tel é dirigida por pessoas sem relação de emprego com a CIA, que tem um assento no Conselho de Administração. Seu presidente foi recrutado no mercado e seus funcionários passam por processo de seleção completamente dissociado da agência. Sua remuneração é maior do que a média da dos servidores públicos, embora inferior à dos funcionários de empresas similares. Na meca da tecnologia americana isso é um problema real.

Na esteira da In-Q-Tel, outros órgãos públicos americanos adotaram modelos semelhantes, tais como o Exército, com a OnPoint Technologies, e a National Aeronautics and Space Administration (NASA), com a Red Planet Capital.

Dentre as áreas de interesse prioritário da CIA estão a Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina, Analytics, Sistemas Autônomos, Biotecnologia, Inteligência Digital, Indústria 4.0, Conectividade Inteligente, Plataformas de TI e Infraestrutura confiável. Também existe prioridade para as empresas formadas por ex-funcionários. No site da In-Q-Tel são listadas 194 empresas que receberam financiamento, dentre elas algumas bastante conhecidas como a Palantir, Claudera, Elemental, FireEye, D-Wave, Cylance e MongoDB.

Não só empresas americanas recebem investimento, a exemplo das australianas Q-CTRL, que desenvolve tecnologia na área de computação quântica, e Emesent, da área de drones, mapeamento e analytics, numa clara demonstração de que os americanos também estenderão os benefícios dos investimentos aos seus parceiros do Five Eyes.

Entretanto, o modelo não está isento de críticas, como as que condenam o uso de recursos públicos para investimento no setor privado, particularmente em companhias que ainda não possuem tecnologia consolidada. Há também questionamentos sobre a exposição do governo americano a possíveis disputas contratuais e de patentes, em função da participação da CIA no conselho da In-Q-Tel.

Outros críticos abordam a possibilidade de que compradores estrangeiros suspeitem que os produtos sejam, na verdade, uma fachada para ações de espionagem por parte da CIA. Isso já ocorreu, de fato, com uma empresa canadense que utilizou software de rastreamento de registros médicos e que gerou investigação por parte do governo canadense. Esse tipo de situação tem potencial para causar um grande problema diplomático para o governo americano.

Há ainda preocupações com relação à espionagem industrial sobre a In-Q-Tel. Nesse caso, as dúvidas são sobre em que medida a CIA e o próprio governo central seriam afetados.

Entretanto, o projeto da CIA parece ser um grande sucesso, com algumas das empresas tendo sido vendidas com grande lucro. Este é o caso da Keyhole, uma startup que desenvolveu um sistema de visualização geoespacial em 3D e foi vendida para o Google, que a transformou no Google Earth. Também foi o caso da ArcSight, que criou um sistema de segurança na análise de grandes volumes de dados (Big Data) e foi comprada pela HP por US$ 1,5 bilhão. A Microsoft, por sua vez, comprou a Perceptive Pixel, que desenvolveu grandes telas sensíveis ao toque.

Historicamente, a Inteligência é uma grande incentivadora do desenvolvimento tecnológico no mundo todo. O Brasil não é exceção, temos o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações (Cepesc) que tem contribuído muito, especificamente para a área de segurança da informação.

Dentre os produtos desenvolvidos, podemos citar os telefones seguros, fixo e celular, com criptografia proprietária, bem como as Plataformas Criptográficas, a de Alto Desempenho e a Portátil. Há décadas o Cepesc vem fornecendo equipamentos com criptografia nacional e proprietária para a segurança das comunicações do Ministério das Relações Exteriores e das Forças Armadas. Não tenho dúvidas de que pode contribuir muito mais, com um investimento mais relevante.

O Cepesc faz parte da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e, infelizmente, também sofre com a grave escassez de recursos por que passa toda a atividade. Para que o Brasil possa fazer frente à espionagem cibernética é imperioso que as autoridades responsáveis pelo Orçamento da União multipliquem os recursos disponibilizados para a Inteligência. Esses valores não devem ser encarados como despesa, mas como um investimento que trará um enorme retorno ao estancar a perda cotidiana que o país sofre com o roubo de segredos, conforme já destacado no texto Nossos segredos estão protegidos?


1 comentário

João Henrique Nascimento · 05/01/2021 às 09:38

De imediato, ao iniciar a leitura, imaginei a relevância do CEPESC para o tema. Capacidade intelectual não falta. Somente a alocação de verba para P&D já teria como consequência um salto gigantesco para a Nação.

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