As Cartas de Amarna, que datam do século XIV a.C., são os primeiros registros existentes da atividade que viria a ser denominada Inteligência. Desde então são incontáveis os exemplos de atuação de homens e mulheres nesta que é uma das profissões mais antigas do mundo.

Embora seja uma atividade tão antiga, a Inteligência sempre foi uma grande desconhecida e um capítulo negligenciado da história da humanidade. Quando os historiadores trataram do tema, a maioria o fez de forma absolutamente superficial, frequentemente com viés ideológico e com uma enorme compulsão por ignorar completamente a sua importância.

Essa negligência sempre foi muito apreciada pelos governantes, que dificultam a pesquisa sobre o tema, mantendo em segredo os registros dos serviços de inteligência e recusando-se a estabelecer uma data para a divulgação até dos seus arquivos mais antigos.

Entretanto, nos últimos tempos, a pressão, cada vez maior, por transparência nos assuntos governamentais tem proporcionado uma mudança nesse cenário.

No Brasil, particularmente, o tema carrega uma carga bastante negativa em função de acontecimentos políticos do nosso passado. Segundo o General de Exército Alberto Mendes Cardoso, ex-Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional:

“A história da atividade de Inteligência no Brasil, para muitos, tem sua origem na criação do Serviço Nacional de Informações – SNI, em 1964. Essa visão incorreta acarretou desvio de percepção: a vinculação da atividade com a política e a ideologia” (CARDOSO, A. M. Preâmbulo, In: OLIVEIRA, L. S. P. A história da atividade de Inteligência no Brasil, 1999).

Entretanto, poucos sabem que os primeiros registros escritos do uso de técnicas de inteligência no Brasil datam de 1750, durante as negociações do Tratado de Madrid, e que em 1927, durante o governo democrático do Presidente Washington Luís, foi criado o Conselho de Defesa Nacional – CDN, que é considerado o primeiro órgão a tratar de Inteligência no país.

Segundo Mark Lowenthal (From Secrets to Policy, 2017), as agências de inteligência existem para evitar que o governo seja surpreendido, propiciar condições para que a experiência adquirida pelo Estado não seja perdida em função das mudanças de gestão decorrentes do processo eleitoral democrático, apoiar as políticas públicas e manter o sigilo de informações, objetivos e métodos. Elas diferenciam-se de outras unidades do governo por, pelo menos, duas razões: a busca incessante pela obtenção de informações que outros governos pretendem manter em segredo e a necessidade absoluta de sigilo sobre suas atividades. Ambas têm por objetivo a consecução dos objetivos nacionais. A primeira por meio da identificação de oportunidades e a segunda pela neutralização de quaisquer ameaças, ainda que veladas ou dissimuladas.

Para decidir, os governos precisam considerar as diversas nuances de uma realidade em constante evolução, considerando as ações dos múltiplos agentes, domésticos e externos, que em conjunto influem nos rumos de nossa sociedade. Portanto, é fundamental que suas decisões sejam apoiadas por informações precisas e oportunas.

No Século V a.C., o estrategista chinês Sun Tzu, em seu livro A Arte da Guerra, disse:

“A razão pela qual um soberano brilhante e um general sábio superam o inimigo sempre que se movem, e suas realizações superam as dos homens comuns, é o conhecimento prévio da situação inimiga.

O conhecimento não pode ser extraído de espíritos, nem de deuses, nem por analogia com eventos passados, nem por cálculos astrológicos. Deve ser obtido de homens que conhecem a situação inimiga.”

É importante ressaltar que a função da atividade de inteligência é de assessoria e que seu produto tem por objetivo atender a uma necessidade do seu demandante, devendo ser oportuno, útil e confiável ao usuário. A demanda é parte fundamental do ciclo de produção da inteligência.

A atuação da inteligência é marcada pela busca de vantagem competitiva, com a aplicação de ações encobertas, de forma a manter seus objetivos e métodos a salvo de terceiros. O outro lado desta moeda é a contrainteligência, que tem por objetivo exatamente impedir o sucesso da inteligência adversária.

Embora seja uma atividade realizada por todos os países do mundo, em maior ou menor escala, tudo que a cerca é, necessariamente, sigiloso. A Inglaterra, por exemplo, somente reconheceu a existência do seu serviço secreto, o MI6, em 1986.

Curiosamente, a inteligência é a única atividade dos séculos XX e XXI em que os personagens da ficção são mais conhecidos do que seus praticantes de carne e osso. E a imagem do cinema não poderia ser mais distante da realidade.

A revolução tecnológica ampliou o espectro de atuação da inteligência, com a inclusão do espaço sideral e o ciberespaço numa equação que já tinha uma complexidade formidável. A capacidade de processamento dos computadores, a velocidade de transmissão de dados e a entrada de novos e muitos atores no cenário, juntamente com a explosão do uso dos smartphones, permitem que qualquer pessoa com um equipamento comprado em um comércio qualquer se torne um agente com capacidade para obter dados importantes ou destruir informações e infraestrutura. Esse novo campo de atuação recebeu o nome de Inteligência Cibernética.

A internet possibilitou o surgimento de um descomunal campo de batalha, ainda desconhecido pela grande maioria das pessoas. No cotidiano, utilizamos apenas uma fração ínfima do ciberespaço. Vastas áreas estão fora do alcance dos usuários, parte delas somente acessíveis para pessoas credenciadas por empresas e governos. Mas existem áreas somente acessíveis por meio de programas específicos e que são frequentadas por todo tipo de gente, dissidentes políticos, jornalistas e pessoas interessadas em manter sua privacidade, mas também por criminosos e terroristas. Nesse mundo nada é o que aparenta e todos são invisíveis, mas ninguém está completamente anônimo, nem a salvo.

O futuro próximo será ainda mais desafiador, com a popularização de equipamentos que dialogarão entre si, a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), e a computação quântica, que promete uma nova revolução e um poder de processamento extraordinário.

Não há atividade econômica que esteja apartada da Internet atualmente, com reflexos importantes na proteção de conhecimentos, na administração das infraestruturas críticas e no bem estar da sociedade. A informação é instrumento importante na garantia da segurança da sociedade.

A quantidade de informações disponíveis na Internet é espantosa, alguns estudos apontam que 90% dos dados existentes foram gerados nos últimos 2 anos. Consequentemente, todas as informações acumuladas desde que o Homo Sapiens surgiu, há 300 mil anos, são equivalentes a apenas 10% do volume total existente. E não há indicativos de que esses números deixem de crescer a cada ano.

O tratamento desses extensos volumes de dados exige enorme poder de processamento, técnicas especializadas e o uso crescente da Inteligência Artificial. Os resultados dessas análises são insumos poderosos para a Inteligência em todas as suas áreas. Como tudo nessa atividade, sua utilização pode ser para o bem ou para o mal.

As ameaças existentes no espaço cibernético não são novas, lá estão os crimes, a espionagem, o terrorismo, o extremismo e a guerra. Entretanto, seus danos são potencializados pelo alcance global da rede, pela rapidez na transmissão de dados e o relativo anonimato proporcionado pela rede.

Neste contexto surgiu a Inteligência de Ameaças Cibernéticas, ou Cyber Threat Intelligence no idioma inglês, que se concentra na análise e coleta de informações sobre ataques cibernéticos reais ou potenciais que ameaçam a segurança de uma organização ou de seus ativos. Mas não basta conhecer as ameaças potenciais, é preciso ter a capacidade de prever ataques futuros, permitindo que as respostas sejam priorizadas, que o processo decisório e o tempo de resposta sejam acelerados. A atuação proativa evita violações de dados ou de segurança e, na sua ocorrência, minimiza os custos delas decorrentes, proporcionando uma melhor segurança no conjunto.

Com a popularização da internet, das redes sociais e dos aplicativos, a quantidade de informações pessoais armazenadas nos bancos de dados das empresas cresceu exponencialmente. Algumas empresas passaram a ter controle quase absoluto sobre a vida de cidadãos, que, na maioria das vezes, sequer sonhavam que sua privacidade estivesse tão comprometida. Campo fértil para malfeitores de todas as espécies.

Esse descontrole, aliado ao comércio indiscriminado de informações pessoais, fez com que alguns governos propusessem legislações que garantissem alguma segurança para seus cidadãos. Assim, nasceram a General Data Protection Regulation – GDPR, no âmbito da União Europeia, e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil.

Por ter se tornado um campo onde informações estratégicas são armazenadas, manipuladas e transmitidas, o mundo virtual também se tornou estratégico para a atividade de Inteligência, tanto no que diz respeito à busca por oportunidades quanto na questão da proteção de conhecimentos.

A terceirização da atividade, com a proliferação de empresas privadas de inteligência tornou-se realidade a partir da Guerra Fria. Um número incalculável de ex-agentes das principais e melhores agências de inteligência migrou para empresas especializadas em fornecimento de software, hardware e serviços de inteligência. Algumas dessas companhias possuem um portfólio de capacidades muito maior do que o da maioria das agências de inteligência do mundo à disposição dos seus clientes, estatais ou não.

No passado, somente as maiores agências de inteligência tinham conhecimento e ferramentas sofisticadas para realizar suas atribuições. Nos dias atuais, agências menos capacitadas, corporações, organizações criminosas e terroristas, além de outros atores não-estatais, também podem tê-los à disposição.

Se um ator tem interesse em uma informação e pretende usar ferramentas de espionagem para chegar a ela, bem como os recursos necessários, ele não deverá ter dificuldades em obtê-las.

Desde meados do século passado, em plena Guerra Fria, as empresas passaram a utilizar as ferramentas de inteligência em proveito dos seus negócios. Surgia então a Inteligência Competitiva, que tem atuação diferente da estatal, embora os métodos e processos sejam muito semelhantes.

Além da vantagem competitiva propiciada pela Inteligência, no mundo corporativo também existe uma grande preocupação com a espionagem, o terrorismo, o roubo e a violência, que podem resultar em graves danos físicos, psicológicos, financeiros e reputacionais. Para prevenir danos e neutralizar riscos e ameaças, as empresas também se utilizam da contrainteligência.

Em pleno século XXI o Brasil ainda vê essa atividade como algo nefasto, fruto de um passado já longínquo. Precisamos urgentemente modificar nossa visão e olhar com mais atenção para o que queremos para o futuro. Não há possibilidade de sucesso sem que tenhamos Inteligência de boa qualidade.

A atividade de inteligência está presente na vida de todas as pessoas, mesmo que não seja percebida. Informações de qualidade nos ajudam a identificar as oportunidades, tomar melhores decisões, a planejar melhor nossos passos futuros e nos defender de ameaças. Portanto, as instituições governamentais, as empresas e as pessoas não podem abrir mão desse instrumento que é fator crucial para o sucesso de nossas empreitadas.

Na verdade, todos precisam de Inteligência!

Categorias: Inteligência

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *