Para a obtenção de resultados eficazes, sucessivos governos se valem da Atividade de Inteligência para o planejamento, a execução e o acompanhamento de suas políticas, em proveito dos interesses do Estado. Suas decisões precisam estar fundamentadas em conhecimentos oportunos, úteis, amplos, imparciais e precisos, ao mesmo tempo em que devem ser salvaguardados os conhecimentos que ao Estado e à sociedade interessem preservar.

Portanto, a Atividade de Inteligência é o exercício permanente de ações especializadas voltadas para a produção de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, com vistas ao assessoramento de autoridades governamentais, nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas de Estado.

Fazer Inteligência é produzir conhecimento oportuno, útil, amplo, imparcial e preciso, para alcançar resultados exitosos ao desenvolvimento do Estado, e protegê-lo contra ameaças à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado.

A produção do conhecimento está relacionada a diversas atividades. A imprensa produz a informação para que o leitor possa conhecer os acontecimentos e os centros de pesquisa produzem conhecimentos para sociedade em geral. Entretanto, a produção do conhecimento de Inteligência distingue-se dessas atividades por direcionar sua atenção particularmente para identificar oportunidades e ameaças, veladas ou dissimuladas, aos interesses do Estado e à segurança da sociedade. Esse é o principal aspecto que difere a Atividade de Inteligência das demais atividades de assessoria de governo.

Essa semelhança entre as atividades que trabalham com dados para transformar em conhecimentos foi destacada por Lee S. Strickland, professor do College of Library and Information Science Studies, na Universidade de Maryland/EUA, membro do Senior Intelligence Service desde 1986 e oficial responsável pelo desenvolvimento de políticas de informação e segurança dentro da Agência Central de Inteligência (CIA), quando afirmou:

“A Inteligência apresenta uma grande semelhança com outras áreas que trabalham com a informação, tais quais os meios de comunicação e os centros de pesquisa de comunidades acadêmicas. A Inteligência é, certamente, a principal atividade baseada na informação e no conhecimento.”

Diego Navarro Bonilla, da Universidade Carlos III de Madri, em seu trabalho denominado de “El Ciclo de Inteligencia y sus Limites”, ressalta que a Atividade de Inteligência está representada pela fase do chamado “Ciclo de Inteligência”, conduzido para a obtenção, a análise, a integração e a difusão de conhecimentos especializados relativos à defesa e à segurança de um país. Para ele, apesar de todas as atividades mencionadas recorrerem ao método científico tradicional, a diferença estaria na natureza do trabalho da Atividade de Inteligência, voltada para a defesa e à segurança do estado.

Os procedimentos de obtenção de dados, processamento, análise e avaliação na Atividade de Inteligência podem ser entendidos como um típico processo de gestão do conhecimento. Por isso mesmo é correto dizer que o objetivo dos serviços de Inteligência é criar um eficaz sistema de produção do conhecimento para assessorar o Estado na definição de sua estratégia e na adoção de medidas de intervenção, utilizando procedimentos e instrumentos da gestão do conhecimento voltados para identificar oportunidades à consecução das políticas e dos interesses nacionais e ameaças à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado. Por conseguinte, como destacado anteriormente, essa é a diferença da atividade de um órgão de Inteligência em relação aos demais órgãos da administração estatal, onde a gestão do conhecimento é um mero elemento auxiliar de sua ação principal.

O dado é apenas a matéria-prima da Atividade de Inteligência. O conhecimento, todavia, não é a soma dos dados obtidos a partir de várias fontes, mas sim o produto do processamento, avaliação e análise dos dados pelo profissional de Inteligência, para descobrir e compreender os fatos e situações (coisas e eventos) e antecipar possíveis e prováveis desenvolvimentos, a fim de fornecer conhecimento oportuno, útil, amplo, imparcial e preciso para o Estado tomar decisões adequadas e reduzir os riscos inerentes a qualquer ação.

Os sites dos principais serviços de Inteligência no mundo apresentam o que seria o “Ciclo de Inteligência” tradicional, como uma série de quatro a cinco passos orientados à produção de conhecimento oportuno, útil, amplo, imparcial e preciso e adequado à demanda de um usuário final (decisor), a quem se difunde seletivamente o resultado do trabalho.

Esse modelo tradicional, amplamente exposto e discutido em várias obras sobre o ciclo de Inteligência, do modo como foi proposto por Sherman Kent (como processo e como resultado), já sofre críticas de diversos especialistas, os quais consideram que o atual ciclo não atende mais as necessidades dos serviços de Inteligência, que precisam adaptar-se à nova realidade mundial, mudando o modelo de estrutura hierarquizada, definida pela burocracia weberiana, que resultaria na inércia e dificultaria o avanço e a adaptação à situação mundial.

Não obstante as manifestações contrárias ao ciclo de Inteligência, o modelo atual é uma ferramenta de gestão do conhecimento extremamente válida para o assessoramento do processo decisório. Claro que pode ser aperfeiçoado, mas o ciclo é um instrumento orientador para se afastar de meras ações intuitivas no processo de produção do conhecimento. O grande problema está no desequilíbrio entre a teoria e a prática, pois muitos profissionais, no cotidiano da Atividade de Inteligência, deixam de lado o método e acabam produzindo conhecimentos restritos, de duvidosa utilidade e de forte componente subjetivo, caracterizado como “opinião do analista”. Acabam superestimando ou minimizando evidências, ignorando incertezas, além de apresentarem conclusões sem apoio adequado.

A Atividade de Inteligência, apesar de adotar metodologia própria de produção do conhecimento, recorre a técnicas acessórias e a outros instrumentos que colaborem com o trabalho profissional de Inteligência, tais como seus atributos pessoais, sua experiência e seu embasamento cultural.

Essa metodologia é aplicável, no todo ou em parte, ao conhecimento descritivo, ao interpretativo e ao interpretativo-prospectivo, de acordo com as peculiaridades de cada um.

O ciclo de produção do conhecimento é uma ferramenta de gestão do conhecimento, com metodologia própria, orientada para a elaboração de conhecimento especializado a partir da obtenção de dados, devidamente processados, avaliados e analisados, para atender às demandas do usuário em qualquer dos seus níveis.

O ciclo de produção do conhecimento objetiva racionalizar o trabalho, sistematizar a produção do conhecimento, evitar o erro e evitar ações intuitivas.

De acordo com as suas respectivas finalidades, os ramos Inteligência e Contrainteligência se valem dessa metodologia para produzir conhecimentos oportunos, úteis, amplos, imparciais e precisos ao assessoramento das autoridades competentes, nos diferentes níveis e áreas de atribuição.

Um conhecimento é produzido pelo órgão de Inteligência em atendimento a um Plano de Inteligência, em consequência de um estímulo externo específico ou por sua própria iniciativa

O conhecimento é produto de um processo composto por quatro fases (ou cinco fases), nas quais são adotadas medidas e realizados procedimentos para obter o dado de diferentes meios e transformá-lo em fração significativa que expresse o estado de certeza ou de opinião em relação à verdade, para a tomada de decisão.

A metodologia de produção do conhecimento, também conhecida como o “Ciclo de Inteligência”, compreende as seguintes fases:

  • Planejamento;
  • Reunião;
  • Processamento – análise e síntese; e interpretação;
  • Difusão.

Essas fases não são estanques, pois não implicam em procedimentos rigorosamente ordenados nem têm limites precisos. São fases que se interpenetram, inter-relacionam e interdependem.

Os ciclos de Inteligência utilizados pelos serviços de Inteligência dos diversos países no mundo têm praticamente o mesmo fundamento, com pequenas mudanças nas denominações das fases e de inclusão de procedimentos.

Apesar do ciclo de Inteligência brasileiro não mencionar expressamente o controle na produção do conhecimento, a metodologia de produção do conhecimento exige o controle permanente dos procedimentos realizados em todas as suas fases. Esse controle tem como objetivo verificar, constatar e avaliar se a produção do conhecimento está de acordo com os princípios e métodos da Atividade de Inteligência, assim como se atividade, processo, unidade, elemento ou sistema selecionado está cumprindo/alcançando ou não os resultados esperados.

Produzido o Conhecimento, a sua forma para difusão pode ser por meio de redação de um documento de Inteligência (opção preferencial) ou mentalmente para, quando necessário, transmitir oralmente o conhecimento.

Em qualquer uma das opções, é indispensável que a formalização seja objetiva e responda de modo direto e imediato às necessidades do usuário.

Essa formalização não é o mero atendimento às formalidades de redação do documento. Trata-se, na realidade, de um esforço que signifique a compreensão da importância do conhecimento produzido para o assessoramento do processo decisório, ou seja, com a visão clara do que é o processo decisório e em que nível se encontra o usuário nesse processo para a tomada de decisão.

A fim de disponibilizar para o usuário conhecimento oportuno, útil, imparcial, amplo e preciso, o Relatório de Inteligência (RELINT) deve obedecer aos requisitos de imparcialidade, objetividade, completude, clareza, concisão, precisão e correção.

Os requisitos de objetividade, concisão e precisão passaram a ter extrema importância no assessoramento do processo decisório. Atualmente, diante das complexas e extensas atividades de autoridades competentes, o tempo disponível para leitura de documentos está cada vez menor. O usuário, portanto, precisa ser informado de forma breve e precisa sobre o objeto do conhecimento. Nesse sentido, como ele não dispõe de tempo para ler documentos extensos, o RELINT deve ser o mais objetivo possível.

O profissional de Inteligência deve ter cuidado com o requisito da completude (sem ultrapassar o limite do entendimento do problema), pois o excesso de detalhes no documento pode acarretar perda de tempo. Nesse caso, compete ao produtor do RELINT conhecer as necessidades do usuário (ou mesmo deduzi-la) para saber como atendê-las. 

Como metodologia de trabalho para o melhor atendimento do requisito da concisão, alguns serviços de Inteligência utilizam a “Lei ou Princípio de Pareto” ou “regra 80/20, haja vista que, na maioria das vezes, 20% das frações significativas do conhecimento produzido são suficientes para a tomada de decisão.

[1] ÁLVAREZ, Elviro A. “Los Servicios de Inteligencia en un Estado Constitucional y democrático”. Estudios sobre Inteligencia. Fundamentos para la seguridade Internacional. Cuadernos de Estrategia 127. Instituto Español de Estudios Estratégicos, pp. 89-92.

[3] BONILLA, Diego N. El Ciclo de Inteligencia y sus limites. Cuadernos Constitucionales de la Cátedra Fadrique Furió Ceriol nº 48, págs. 3 e 11.

[4] FARIAS, Antonio C.F, Atividade de Inteligência: O Ciclo de Produção do conhecimento, 2017.

[5] KENT, Sherman. Informações estratégicas Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1967.

[6] NAVARRO, Miguel A. E; BONILLA, Diego N. “Gestión del Conocimiento y Servicios de Inteligencia: la dimensión estratégica de la información”. En “El Profesional de la Información”. 2003, vol. 12, nº 4, pp. 269-291.

[7] STRICKLAND, Lee S. “Were American Intelligence and Law Enforcement Effectively Positioned to Protect the Public?” Bulletin of the American Society for Information Science and Technology nº28 (fevereiro – março, 2002), pág. 19.

[8] TROY, Thomas F. “The correct Definition of Intelligence”. En “International Journal of Intelligence and Counterintelligence”. 1991-92, vol. 5, nº 4, pp. 433-454.

[9] WARNER, Michael. “Wanted: A Definition of Intelligence”. En “Studies in Intelligence”. 2002, vol. 46, nº3. Consultado en: 27/03/2017. http://www.cia.gov/csi/studies/vol46no3/article02.html

Antonio Cláudio Fernandes Farias

  • Bacharel em Direito, Oficial de Inteligência e Professor;
  • Ex-Superintendente da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) no Pará;
  • Ex-Diretor do Centro Estratégico Integrado (CEI) da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará;
  • Ex-Secretário Adjunto da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará; e
  • Ex-Diretor do Centro Estadual Integrado de Inteligência (CEII) do estado do Pará.
Categorias: Inteligência

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