Nas últimas semanas tomamos conhecimento de que hackers realizaram ataques ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e Embraer. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) recebeu mais de 20 mil notificações de ataques a órgãos públicos em 2020.

Também soubemos que uma falha no Ministério da Saúde expôs os dados de mais de 200 milhões de brasileiros, que no mesmo ministério foram vazados os dados de 16 milhões de pessoas diagnosticadas com Covid-19 e que centenas de empresas que tiveram vazados os dados de seus clientes em 2020.

A imprensa noticiou com bastante ênfase a questão da proteção de dados individuais. Por este ângulo, isso é uma verdadeira tragédia para o país e sua população. Também o é com relação à área de Segurança Cibernética, tão desprezada por nossos governantes. Falha grave, num mundo em que absolutamente tudo está conectado à Internet.

Mas há um outro ângulo, que nunca é notícia e que pouquíssimos brasileiros têm noção: a espionagem.

Nesse momento, os órgãos públicos americanos estão sob um violento ataque cibernético, atribuído, segundo o governo dos EUA, a hackers do grupo russo APT29, também conhecido como Cozy Bear, que teria ligação com os serviços de Inteligência de Moscou. Em outros momentos já tivemos notícias de ataques de hackers chineses, iranianos e norte-coreanos a alvos americanos.

O Irã também foi alvo de uma operação de sabotagem muito bem sucedida, que teve por objetivo paralisar o programa nuclear. Foi utilizado um malware, o Stuxnet, que foi o primeiro malware projetado para causar danos físicos a equipamentos.

Países como os EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, Israel, China, Rússia, Coréia do Norte e Irã possuem verdadeiros exércitos digitais capazes de realizar ataques massivos contra alvos em qualquer parte do mundo. Esses países são as maiores potências em termos de capacidade cibernética, mas não são os únicos, pois quase todas as nações têm hoje uma grande preocupação com o espaço cibernético.

A Internet tornou-se a base de sustentação da economia mundial, fonte de geração de recursos e capitais, além de ser a fonte de projeção de poder de muitos Estados. Com isso passou a ser o foco prioritário da maioria das agências de Inteligência do mundo, sendo hoje o principal campo para a busca por informações que permitam vantagem competitiva para suas economias, sem nos esquecermos do que isso significa em termos militares.

Os ataques cibernéticos causam disrupção e confusão, podendo atingir o sistema financeiro, infraestrutura civil e militar, com prejuízos incalculáveis.

Temos duas características importantes sobre a espionagem cibernética:

• Está se tornando mais avançada, efetiva e profissional.
• É o instrumento de guerra mais temido e buscado pelos principais atores do cenário da inteligência mundial

Entretanto, no Brasil estamos em outro mundo. Não parece que nosso país é uma das maiores economias mundiais, que perde recursos todos os dias em função da atuação da espionagem. Para o brasileiro médio, espionagem é coisa de cinema, com os James Bond, Jason Bourne e Jack Bauer das telas. Ninguém acredita que é uma coisa presente no dia a dia do governo e das empresas. Isso nos custa bilhões, que fazem muita falta para as nossas políticas públicas.

Pagamos royalties por produtos baseados na nossa fauna e flora, temos invenções roubadas, projetos interrompidos e negociações frustradas ou perdidas por causa da espionagem internacional, que ocorre no país com muita facilidade. Temos uma legislação muito fraca quando se trata desse tema.

Se um país com o poderio e a legislação que têm os EUA sofre perdas gigantescas em função da ação de espiões estrangeiros, imagine o que ocorre no Brasil! Além de recursos financeiros imensos à disposição, eles utilizam técnicas operacionais expressamente vedadas à Inteligência de Estado brasileira.

As leis atuais infelizmente amarram e limitam a ação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Nosso país é sui generis, cria uma agência de Inteligência, mas não lhe confere mandato claro e capacidade para agir.

Hoje é impossível aplicar as técnicas operacionais na sua plenitude, não há cobertura para o pessoal encarregado das ações sigilosas e os recursos orçamentários são escassos. Nossa população não consegue perceber as ameaças representadas pelos serviços estrangeiros que atuam livremente e impunemente no território nacional no interesse de seus países.

Precisamos urgentemente de avançar na nossa legislação de Inteligência e na profissionalização da Abin, que precisa ter diretrizes governamentais claras para poder agir, com autonomia, total acesso ao Poder Decisório e sob controle efetivo da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI).

Uma Agência de Inteligência se distingue de outros órgãos públicos, mesmo daqueles que abrigam unidades dedicadas ao tema, por duas razões:

• A busca incessante pela obtenção de informações mantidas sob sigilo por outros governos.
• A necessidade de manutenção absoluta de sigilo sobre todas as suas atividades.

Infelizmente, a Abin não tem tido condições de cumprir nenhuma das duas.

Quanto à primeira, não há amparo legal para ações no exterior, nem respaldo para que seus servidores assim atuem. Ainda que houvesse legislação disciplinando o tema, não há recursos financeiros que possibilitem este tipo de atuação.

Quanto à segunda, embora não seja um fato corriqueiro, eventualmente assuntos submetidos a sigilo tornam-se públicos, quase sempre por meio de um servidor insatisfeito por alguma razão. Neste caso, o que falta é uma legislação que permita à agência identificar e punir o faltoso. Ocorre que os seus servidores estão submetidos ao mesmo regulamento que todos os demais servidores da União, ainda que estejam submetidos a exigências muito diferentes.

As indiscrições, vazamentos, quebras de segurança ou até mesmo um ato deliberado de espionagem têm muito poucas possibilidades de serem punidas. A começar pelas dificuldades de investigação, numa terra onde temos direitos a granel e deveres a conta-gotas. É certo que todos os servidores devem guardar o sigilo funcional, mas nossa legislação é leniente com os que preferem a desafiar.

Quando está incluído nesta equação um órgão destinado a trabalhar com segredos, isto é trágico!

Notícias sobre funcionários de empresas privadas que vendem segredos são uma raridade, muitas vezes as próprias empregadoras preferem não divulgar que foram vítimas de espionagem porque entendem que é ruim para sua imagem. Esses casos são, na maioria das vezes, resolvidos internamente, quase sempre com a demissão do culpado, com um acordo de confidencialidade que blinda a imagem institucional. Mas o dano está feito e quem comprou a informação sai impune.

Entretanto, há informações que são de interesse nacional, ainda que sejam propriedade privada. Nesses casos, existe necessidade de que essas informações sejam protegidas, inclusive com a ajuda governamental. Para isso existe o Programa Nacional de Proteção do Conhecimento – PNPC, conduzido de forma gratuita pela Abin.

Vazar informações, se tornar um informante ou trair o país deveria ser falta gravíssima, punida com extremo rigor. Mas, não no Brasil!

Como cidadãos sabemos cuidar para que tenhamos as melhores informações disponíveis para tratarmos dos nossos interesses. Pesquisamos e procuramos conversar com pessoas que conheçam os temas do nosso interesse para que consigamos obter tudo o que queremos da melhor forma possível. De preferência, a mais barata também.

Mas não temos a mesma atitude com relação aos interesses nacionais. Temos muita dificuldade em agirmos de forma coletiva, civilizada. Nos últimos tempos, nos tornamos extremamente violentos na defesa dos nossos pontos de vista, negando quaisquer outras formas de se ver/entender uma questão. Fazemos isso nos esportes e na política. Nossa capacidade de dialogar está próxima do zero, lamentavelmente!

Todos os dias perdemos muito dinheiro com as ações da espionagem estrangeira no nosso Brasil. Recursos que seriam muito bem vindos para nossas políticas públicas, criando empregos, educando as pessoas e nos fazendo evoluir.

A Atividade de Inteligência pode contribuir, e muito, para que tenhamos uma chance de fazer isso acontecer. Para isso, precisamos que nossos parlamentares discutam e aprovem uma nova legislação que permita à Inteligência nacional competir em igualdade de condições com as agências internacionais mais atuantes nessa área.

A nossa Inteligência merece um tratamento melhor por parte dos membros dos Três Poderes da União.

Aliás, todos os brasileiros merecem esse tratamento!


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